Eu não acredito em bruxas, mas que as há…

Um dia destes, uma senhora de idade alertou-me para o facto de a minha mala estar pousada no chão. “Olha que vais perder dinheiro!” avisou-me. Demorei uns segundos a perceber que estavam a referir-se a uma superstição. Sendo a pessoa nada supersticiosa que sou, ignorei o aviso; para mim, o dinheiro perde-se quando não sabemos da carteira, quando temos o bolso das calças roto, ou quando perdemos uma aposta. A senhora em questão levantou-se, pegou na minha mala e foi pousá-la em cima da cama. “Não não filha, dinheiro aqui em casa não vais perder, com estas coisas não se brinca.”, disse-me ela. Fiquei a pensar. De que forma é que a minha mala a tocar no chão e não na superfície da cama poderia fazer com que eu perdesse dinheiro…? De que forma é que atirar sal para trás das costas depois de entornar sal sem querer afasta o azar? E de que forma é que ter o caminho cruzado por um gato preto nos arruina o dia – e as pessoas que vivem com gatos pretos?? Decidi responder à questão principal: o que será que nos faz agir de forma tão pouco racional?

Como de costume, e modéstia à parte, a Análise Comportamental tem uma resposta para esta questão. Nas últimas décadas, vários analistas comportamentais têm estudado o fenómeno que nos faz, a nós, mesmo aos mais racionais, uma vez ou outra na vida fazer figas para ter sorte ou manter a mesma chave para jogar no Euromilhões. No fundo, tudo remete para o reforço. Teoricamente, o comportamento supersticioso surge quando há um acontecimento (positivo ou negativo) temporalmente associado a um comportamento independente (que surge logo a seguir a este, por exemplo) – mais sobre reforço aqui, caso não perceba bem ao que me refiro. Isto faz com que o mesmo comportamento seja acidentalmente reforçado ou punido, aumentando ou diminuindo, respetivamente, a probabilidade de este ocorrer no futuro. Por exemplo, se num determinado jogo de futebol em que foi à casa de banho houve um golo da equipa adversária, e isto foi importante para si (neste caso, teve um impacto negativo, sendo punitivo), se calhar na vez seguinte já só foi à casa de banho no intervalo. E se nessa vez seguinte em que não foi à casa de banho a sua equipa não sofreu golos, criou-se uma contingência na sua cabeça: xixi durante o jogo, a sua equipa perde; xixi no intervalo, ou antes, ou depois do jogo, a sua equipa ganha, ou pelo menos se perder não foi você que contribuiu para isso, o que só de si já é reforçante o suficiente para ajudar a manter este comportamento.

A tendência é para repetirmos os comportamentos que associamos a sucesso ou a acontecimentos positivos (a chamada “sorte”), e para evitarmos comportamentos que associamos a insucesso ou a acontecimentos negativos (o chamado “azar”). Mesmo que perca uma competição quando está a usar as suas cuecas da sorte, saber que fez tudo o que estava ao seu alcance para ganhar é reconfortante. O controlo é, claro, uma necessidade inerente ao ser humano. Pensar e ser capaz de ruminar sobre os assuntos tem vantagens, mas também tem desvantagens; mais nenhum animal tem esta necessidade de ter uma explicação para tudo. A verdade é esta: é reforçante para nós sentirmos que temos algum tipo de controlo sobre as situações, quer seja o jogo de futebol, uma maratona ou a lotaria. Porque isso, tal como acontece com o sobrenatural, com as bruxas, com o azar, permite-nos também ter explicações para o inexplicável. E a vida é muito mais fácil se tudo não escapar ao nosso controlo.

Se leu este artigo sobre POC talvez consiga fazer a ponte entre esta necessidade de controlo e essa. É natural, já que elas são a mesma. A diferença é que na POC essa necessidade é levada ao extremo, ao insuportável de não saber o que acontece se não houver aquele ritual. Num simples comportamento supersticioso, não há rituais incapacitantes nem desencadeadores de ataques de ansiedade se não forem realizados. Há, isso sim, pequenos comportamentos capazes de nos dar confiança e ter um pensamento mais positivo acerca de algo. E não há nada de errado com isto.

Portanto, mantenha as suas cuecas da sorte a postos para a próxima competição em que participar, se isso o ajuda a focar-se e a ter sucesso. Hoje, que é terça feira, eu vou ali à papelaria da esquina, jogar no Euromilhões com a chave de sempre – não vá o diabo tecê-las.

Catarina Carrapiço, Ms, BCBA
Psicóloga Clínica e Analista Comportamental