E se aparecer o Papão?

Noite após noite, a porta do quarto entreabre-se e dois pezinhos descalços avançam cautelosamente em direcção à sua cama. Ouve uma vozinha a sussurrar “Mãe, tive um pesadelo, posso dormir contigo?” e é incapaz de dizer que não, quer porque não tem coragem, quer porque são 2 horas da manhã e só quer dormir.

Saiba que o hábito de dormir consigo foi causado por si, não pelo seu filho. Ele limitou-se a fazer aquilo que o deixaram fazer, porque gosta e porque pode. Por isso, queixar-se que o seu filho de 8 anos ainda não é capaz de dormir sozinho e tentar envergonhá-lo em frente a outras pessoas como método para que ele pare esse comportamento não vai funcionar. Deveria ser vergonhoso para si, não para ele, ter deixado que a situação se arrastasse e não admitir que os seus actos têm influência nos dos seus filhos.

As razões para que o seu filho ainda não durma sozinho, tenha ele 3 ou 10 anos, podem ser várias. Vamos revê-las e sugerir soluções:

  • Deitar-se com o seu filho pequenino que até cheira maravilhosamente bem, dar e receber abracinhos e beijinhos e ouvir coisas fofinhas como “gosto de ti até à lua e voltar” é realmente incrível, não é? Mas está a atrasar a autonomia do seu filho, por isso deixe-se disso. Arranje tempo para os miminhos durante o dia. Um dia tem 24 horas, precisa mesmo daqueles 15 minutos para dar e receber carinho? Crie outros momentos para isso ao longo do dia e crie também outros hábitos para si ao deitar, como ler um livro, ver uma série, aproveitar momentos a dois com o seu companheiro. Caso não tenha companheiro de momento, isto não é um entrave à sua vida conjugal, mas vai ser quando voltar a tê-la.
  • O seu filho chora quando o manda para a cama dele. Vamos por partes: o seu filho quer ir para a sua cama, você diz que não, ele chora, você diz que não, ele chora mais, você diz que sim. O que vai acontecer da próxima vez que ele quiser ir para a sua cama? Exacto, ele vai chorar. Simples, não é? A solução também é simples: não ceda. Escolha um momento das vossas vidas em que vos é possível esperar enquanto o vosso filho chora uma hora sem parar às 3 horas da manhã (quando estiverem de férias, por exemplo). A partir desse momento, não há volta a dar. Não pode deixar num dia e não deixar noutros. Acredite, nunca é “só esta noite”.
  • Explique ao seu filho o que vai acontecer e porquê, de forma sincera. Diga-lhe que na verdade ele já devia dormir sozinho e que em parte a culpa foi sua. Diga-lhe que não precisa de ter medo de dormir sozinho porque não está sozinho em casa, os pais estão logo ali para protegê-lo se for preciso. Diga-lhe que se tentar ir para a sua cama a meio da noite não vai deixar, que pode ir ter consigo se tiver medo e que o que vai acontecer é que vai levantar-se e deitá-lo na cama dele novamente, com um beijinho de boa noite. Não ralhe com ele, não torne este momento ainda mais aversivo. Até porque não é justo para ele, ele está apenas a tentar o que já funcionou no passado para obter aquilo que quer.
  • Não o compare com outras crianças – não diga coisas como “já viste que os outros meninos da tua idade já dormem todos sozinhos?” – o seu filho não tem de aprender a fazer nada por comparação com os outros. Tem o direito a sentir coisas diferentes dos outros e a ter medos que os outros não têm.
  • Torne o momento de ir dormir, a cama e o quarto apelativos. Muna o seu filho dos seus bonecos preferidos (preferencialmente neutros, como peluches, que não falem nem dêem azo a muita brincadeira). Pode mesmo criar um ritual – lê-lhe uma história, trocam miminhos, deixa uma luz de presença acesa, deixa música de fundo, qualquer coisa que o acalme. Deixe-lhe também um copo de água e diga-lhe que pode chamá-lo se precisar de alguma coisa. Apareça quando ele o chamar, acalme-o se tiver medo, mas não fique mais do que alguns segundos.

Além disto, sugerimos também que pense antes de desvalorizar os medos do seu filho. Quantos destes medos foram instaurados por si? Quantas vezes lhe falou no papão? Quantas vezes permitiu que visse na televisão algo inapropriado para a idade dele? Mais, ao deixar que não dormisse sozinho, transmitiu-lhe a ideia de que só está protegido se dormir consigo. Se o seu filho não dorme sozinho, ele não sabe o que pode acontecer ao dormir sozinho. Sabe apenas que ao dormir consigo nunca lhe aconteceu nada de mal. Encoraje-o a falar dos medos específicos que tem e desmonte-os com paciência. E se o seu filho disser que só queria estar consigo, combinem uma actividade para fazerem em conjunto no dia seguinte – e cumpra-a, ok? A noite é para dormir.

Catarina Carrapiço, Ms, BCBA
Psicóloga Clínica e Analista Comportamental