A ABA – no original, Applied Behavior Analysis – existe em Portugal desde 2005 mas ainda é tão pouco divulgada e compreendida que o mais frequente é o nome vir associado à pergunta “isso não era uma banda?” – ou então a um torcer de nariz. Criticada por muitos e mal compreendida por muitos mais, a Análise Comportamental Aplicada tem vindo a afirmar-se aos poucos no nosso país.
Mas afinal o que é ABA?
Se a ABA tivesse de ser resumida a uma frase, talvez pudesse ser esta: uma ciência com base nos princípios do comportamentalismo e cuja aplicação tem como objetivo aumentar a qualidade de vida do indivíduo em quem é aplicada. Simples? Não é.
As críticas ao comportamentalismo surgiram no instante em que Watson sugeriu que as consequências dos nossos comportamentos podiam moldar a nossa personalidade a 200%, numa perspetiva entendida como radical e simplista – e os outros fatores? E a genética? E a personalidade? E os aspetos cognitivos?
O que a maioria das pessoas não percebe, sobretudo quando não quer perceber, é que o comportamentalismo não exclui estes fatores – apenas lhes dá outros nomes.
Para nós, tudo é comportamento – desde a corrida matinal, ao deitar-se às 23h em vez de às 2h da manhã, passando pela decisão de fazer carne em vez de peixe para o jantar. O comportamento não se reduz ao portar-se bem ou mal; é complexo o suficiente para ter toda uma ciência dedicado ao seu estudo.
Ler é um comportamento, e aprender a fazê-lo é outro, que por sua vez pode ser constituído por outros mais (como discriminar as letras, discriminar as sílabas, discriminar as palavras, a rapidez e a precisão com que se lê…), e isto permite-nos usar princípios básicos do comportamentalismo para ensinar alguém a ler. Aquilo que sente pode também ser entendido como um comportamento e, apesar de não poder ser diretamente modificado, até porque só é diretamente observável por si próprio, podem ser alteradas as suas manifestações – as palavras que usa em relação a esse sentimento ou a uma situação, por exemplo.
Muito sucintamente e correndo o risco de facilitar demais a explicação, tudo o que fazemos é comportamento e todos os nossos comportamentos são emitidos por nós porque têm uma consequência específica que queremos atingir ou evitar.
Esta consequência pode ser a curto prazo (fazer boa figura perante outra pessoa, deixar de ter fome, acabar com uma dor de cabeça, reduzir o frio) ou a longo (receber o ordenado no final do mês), pode ser positiva ou negativa (ser despedido, apanhar uma multa, ser criticado) e pode mesmo nunca ter acontecido (nunca ganhou a lotaria, mas continua a jogar, não é?).
Por vezes basta saber que existe a possibilidade de uma consequência para o comportamento surgir ou ser evitado (quem está a ler este artigo também nunca morreu mas evita certamente comportamentos que podem levar a isso).
As individualidades das pessoas não são, portanto, ignoradas num conjunto de métodos que as robotiza sem dó nem piedade. Pelo contrário, são tidas em conta e usadas a favor dos objetivos pretendidos com o indivíduo em questão. E isto passa tanto pelo aumento do ordenado que lhe foi atribuído pelo seu bom desempenho no trabalho, como pela entrega de pedacinhos de bolacha a uma criança com um atraso no desenvolvimento que está a conseguir permanecer sentada ao longo de uma aula sem interesse. Não estamos a tratar a criança como se fosse um golfinho em treino, estamos a criar novas contingências – a atribuir uma consequência positiva para ficar sentada durante a aula, consequência esta que não existia, já que para esta criança em particular saber que a professora vai ficar contente ou que não vai ralhar pode não ter significado e, logo, ser uma contingência que não funciona.
Por norma, não precisamos destes arranjos menos naturais para aprender determinados comportamentos, porque os naturais são suficientes. Mas por vezes não são – se as contingências naturais fossem suficientes para todos os indivíduos, então uma criança autista não teria, necessariamente, atrasos massivos no desenvolvimento, nenhum jovem teria de repetir o ano porque as aulas são desinteressantes o suficiente para que ele não queira saber e não existiria “mau comportamento”, porque a aprovação social de todos os que nos rodeiam seria demasiado importante.
Como não vivemos num mundo perfeito, se as contingências naturais não funcionam, não há um bom motivo para não as alterarmos em prol do sujeito que as recebe. Aqui entra também a principal diferença entre reforço e chantagem: o reforço beneficia quem o recebe, enquanto a chantagem beneficia sobretudo quem a faz.
Quanto aos artificialismos das estratégias usadas, qualquer bom analista comportamental tem sempre planeada a retirada gradual das mesmas, já que o nosso objetivo passa sempre pela autonomia do indivíduo em questão. Chamemos-lhes um meio para atingir um fim, sendo que o fim se refere sempre a competências que contribuirão para uma maior qualidade de vida do sujeito.
Posto isto, pare de aborrecer o analista comportamental mais próximo de si com comentários como “parece que estás a treinar um cão”. Fazemos coisas tão maravilhosas como ensinar uma criança de 4 anos a dizer “mãe” pela primeira vez ou tirar as fraldas (e atribuir dignidade) a uma criança de 6 anos. Foque-se nisso.