“Socorro, tenho um analista comportamental na minha sala de aula.”

Ser professor já foi mais fácil. Foi mais fácil em tempos em que havia um respeito tácito pelo professor, aquele adulto com quem se passava uma boa parte do dia e que muitas vezes ganhava a função de segundo progenitor no que respeita à importância que tinha na educação. Foi mais fácil em tempos em que uma criança com necessidades especiais na turma era a exceção e não a regra (nem vamos falar em ter mais do que uma criança com necessidades especiais na mesma sala). E, indubitavelmente, foi mais fácil quando atracado a essa criança não aparecia um especialista em necessidades educativas especiais a dizer ao professor o que fazer.

Lado a lado com as mil necessidades que as crianças hoje em dia podem ter, existem outros mil tipos de especialistas que se dedicam a ajudar estas crianças a desenvolver competências-chave. Alguns destes especialistas fazem o seu trabalho no ambiente natural em que a criança está inserida – neste caso, a sala de aula. Alguns ainda procuram que esta intervenção seja por parte dos elementos que estão naturalmente com a criança, e não apenas da parte de um elemento extra – ou seja, mesmo que o profissional em questão esteja na sua sala de aula a trabalhar com aquela criança, é possível que também procure alterar o seu comportamento perante ela. Ainda que isto possa parecer uma chatice e mesmo inconveniente para o professor, faz todo o sentido se tivermos em conta que é ele que vai estar lá a maioria do tempo (e a longo prazo), e não o especialista.

Se a isto juntarmos algo a que em análise comportamental chamamos contraste comportamental, temos toda a razão do mundo para insistir na mudança comportamental da parte do professor. É que quando se intervém apenas num contexto daqueles em que a criança se insere e não nos outros, com o objetivo de diminuir um comportamento (por exemplo, gritar), corremos o risco de diminuir o comportamento apenas nesse contexto – e, pior, de aumentá-lo nos outros. Se isto não está a fazer-lhe sentido, pense numa criança que é punida pela mãe (leva um ralhete ou uma palmada) por ir buscar bolachas mesmo antes do jantar. Esta criança pode parar este comportamento de vez (o ideal) – ou pode apenas pará-lo quando a mãe está presente e sabe que vai levar uma palmada (o mais provável). O ser humano funciona assim, e se as contingências que nos ensinam algo não estão presentes, o nosso comportamento muito provavelmente é diferente do que seria se elas estivessem lá. Imagina-se a conduzir numa autoestrada num dia em que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária anunciasse que qualquer infração cometida naquele dia não teria consequências ao nível das coimas habituais? Imagina como seria a sua alimentação se de repente fosse anunciado que as batatas fritas e o açúcar afinal não são prejudiciais para a saúde? Então imagine como será para uma criança saber que com um adulto terá determinadas consequências para os seus comportamentos (os bons e os maus) e com outro não. Não cabe ao professor ter estes conhecimentos de raiz, mas cabe-lhe ter o bom senso de ouvir quem os tem. E se ter outro adulto num espaço em que estamos habituados a ser o único pode ser difícil de gerir, no final pode ser compensador para ambos trabalharem em equipa.

Leia o que temos a dizer sobre isto.

  • Não se sinta em cheque. Acredite que a última coisa em que temos interesse é avaliar as suas competências enquanto professor. Não estamos ali para lhe dizer como fazer o seu trabalho, e ninguém está a pagar-nos para o avaliar. Se estamos ali, é porque há uma criança que precisa de ajuda, e ajudá-la é a nossa prioridade.
  • Claro que vamos dizer-lhe o que fazer em determinadas situações. Isto não significa que seja mau profissional nem que achamos que não sabe o que está a fazer. Lembre-se que se as circunstâncias naturais da sala de aula funcionassem para aquela criança, nós não estaríamos ali. Se não funcionam, têm de ser alteradas, é para isso que estamos lá.
  • Provavelmente, há coisas que não lhe vão fazer sentido. É possível que lhe peçam para ignorar uma criança que esperneia, chora e grita deitada no chão, e isto vai totalmente contra a natureza humana. Se uma criança “se porta mal”, a nossa tendência natural é dar-lhe uma consequência que assumimos como punitiva – ralhar com ela, pô-la de castigo, dizer-lhe que aquilo não se faz. Porém, procure mesmo seguir as indicações do profissional que acompanha a criança em questão. Lembre-se que esta pessoa é especialista em modificações comportamentais e que sabe o que está a fazer. Provavelmente fez uma análise detalhada ao comportamento e sabe que a função do mesmo é obter atenção da parte do adulto. É difícil conceber que ralhar é dar atenção mas para muitas crianças se esta for a única fonte de atenção individualizada que têm quando estão inseridas num contexto de grupo o dia todo, então mais vale isso do que nada, e vale tudo para obter essa atenção negativa (até vale atirar cadeiras). Se até agora ralhou e deu consequências e o comportamento se mantém, então não está a dar as consequências certas; ignorar um comportamento também é uma consequência – e, no caso de o comportamento existir para obter atenção, é a consequência certa.
  • Faça perguntas, coloque dúvidas. O profissional em questão possivelmente não vai dar-lhe uma explicação detalhada no momento por estar a trabalhar, mas com certeza conseguirá reunir-se consigo e explicar-lhe o porquê de cada estratégia definida.
  • Não resista aos sistemas de motivação – eles não são nenhum bicho papão. São sistemas que permitem fazer maravilhas na sala de aula – e por incrível que pareça podem ser aplicados em grupo! Em Portugal, infelizmente, a utilização e o conhecimento destes sistemas são escassos, mas acredite que estas estratégias são utilizadas em escolas por esse mundo fora, com resultados muito positivos. Pode sempre pedir estratégias para o grupo ao especialista em comportamento que está consigo na sala. Participações espontâneas, silêncio e calma nos momentos indicados, atenção ao professor – são comportamentos facilmente modificáveis com sistemas de motivação, sem perdas de tempo com ralhetes e castigos que só funcionam porque nos aliviam a nós do comportamento da criança mas não lhe ensinam nada a ela acerca do que deve fazer em vez daquilo.
Catarina Carrapiço, Ms, BCBA
Psicóloga Clínica e Analista Comportamental