Quando o medo não é do palco, mas sim do público

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Quando andava na faculdade, lembro-me de assistir a uma apresentação de um grupo de outra turma do qual se destacava uma rapariga. Enquanto falava, a voz tremia-lhe, falhava-lhe, ela engasgava-se, trocava as sílabas, os sons não saíam direito; as mãos tremiam enquanto segurava no papel de onde lia, tinha a cara vermelha, uma postura tensa e não pousava o olhar em ninguém. Quando acabou a sua parte da apresentação, tinha lágrimas nos olhos e parecia que ia colapsar; pediu à professora para ir à casa-de-banho e saiu a correr, de olhos postos no chão, ainda com a apresentação do grupo a decorrer. Na altura achei que ela estava muito nervosa. Hoje em dia sei que isto não são nervos; aquela rapariga, muito provavelmente, sofria de ansiedade social.

No último artigo, falámos-lhe de ansiedade generalizada. Este artigo aborda este tipo de ansiedade (social) em particular, que pode manifestar-se de forma muito diferente. Embora por norma quem sofre de ansiedade social sofra também de ansiedade generalizada, esta atinge o pico sobretudo em situações sociais. O problema da glosofobiaansiedade social, além de ser extremamente frustrante e incapacitante, é que é facilmente incompreendida e confundida com timidez. Quem sofre de ansiedade social é frequentemente rotulado como tímido, reservado ou mesmo “estranho”. Nas crianças em particular esta distinção é difícil, já que uma criança não tem ainda uma noção completa do que será normal sentir em certas situações e não saberá exprimir ao certo o que sente nem elaborar o pensamento por trás disso. No entanto, a ansiedade social é um problema que surge por norma na infância e que se agrava ao longo dos anos, em particular na adolescência, devendo agir-se sobre o mesmo assim que possível. Dê uma vista de olhos nos seguintes sinais e verifique se eles existem no seu filho / aluno / em si mesmo.

  • Tem dificuldade em falar com estranhos e em conhecer pessoas
  • Evita locais com muitas pessoas
  • Sente desconforto ao fazer certas coisas em público (ex. comer)
  • Evita ser o centro das atenções (falar em público, ser alvo de uma piada…); ao sê-lo pode exibir sintomas como gaguejar, tremer, suar, ficar vermelho, ter “bloqueios”, sentir a pulsação a acelerar, ter dores de barriga…
  • Em situações sociais, procura manter-se perto de alguém que conhece e com quem está mais confortável
  • Deixa frequentemente os outros dirigirem a conversa, evita dar a sua opinião e falar sobre si próprio
  • Planeia cuidadosamente o que vai fazer quando estiver em determinada situação social (o que vai dizer, onde vai pôr as mãos…)
  • Expetativas de ter um desempenho fraco em situações sociais e de que os outros o vão achar “estranho”, de que vão perceber que há alguma coisa de errado
  • Auto-imagem negativa (achar-se aborrecido, achar que se está a fazer figura de parvo) ao mesmo tempo que se eleva demasiado o nível de exigência em relação a si próprio (pensamentos como “tenho de dizer alguma coisa divertida e interessante”)
  • Ter a sensação de que os outros estão focados em si e que se é alvo de gozo; medo de se sentir ridicularizado
  • Bloquear quando se quer dizer alguma coisa numa situação desconfortável (ex. fazer um convite a outra pessoa)
  • Foco nas experiências sociais negativas que já se teve
  • Auto-consciência exagerada (reflete-se em pensamentos como “onde é que ponho as mãos para parecer confortável? como estará o meu cabelo? e se tiver alguma coisa nos dentes? o que é que vou dizer a seguir?”)

Paralelamente a todos estes sinais, e à semelhança do que acontece na ansiedade generalizada, há a tendência para o evitamento. Por norma, quem sofre de ansiedade social tem poucos amigos e evita situações sociais, sobretudo com estranhos ou onde haja muitas pessoas. Evita também outras situações desconfortáveis, que podem ir de conflitos até algo tão simples como dirigir-se ao balcão de um café e pedir uma refeição. Pode ser preferível comer bolachas do supermercado a um canto sozinho do que pedir uma sopa na cantina da empresa, ou fingir uma dor de barriga e perder o intervalo do que ter de interagir com os colegas na escola. Porque é sobretudo esta a diferença, quando se sofreSem Título de ansiedade social o que se sente não é vergonha, é pânico. Da opinião dos outros que se sabe que vai ser negativa, do julgamento dos outros, do desempenho que já se sabe que vai falhar. E efetivamente com frequência falha, porque a ansiedade chega a limitar fisicamente e a fazer esquecer tudo o que se sabe. Efetivamente, quem não abre a boca durante um jantar parece estranho. Efetivamente, quem foge de situações sociais e sente mais facilidade em estar sozinho desencadeia uma reação de afastamento da parte dos outros, nem que seja porque já o convidaram algumas vezes e disse sempre que não. Desta forma, os comportamentos de evitamento e a ideia de que se é aborrecido e de que não se vai saber o que dizer vão sendo reforçados, o isolamento ganha cada vez mais valor de reforço porque cada situação social fica mais difícil do que a anterior e o foco permanece nas experiências negativas; tem mais impacto aquela vez em que alguém perguntou de forma crítica “porque é que estás sempre tão calado?” do que todas as pessoas que já nos disseram que gostavam de nós. Atenção, isto não significa que quem sente este tipo de ansiedade goste ou prefira estar sozinho e não precise de amigos; aqui o que está em causa é sobretudo reforço negativo, já que evitar situações sociais proporciona um alívio extremo, apesar da consciência (por vezes dolorosa) do isolamento. É por este motivo que a ansiedade social pode ser tão frustrante, porque domina por completo os pensamentos e os comportamentos do indivíduo.

À medida que se avança para a idade adulta, algumas situações podem ser ultrapassadas (como pedir comida num café), quer por haver uma exposição repetida às mesmas, quer porque o reforço que se obtém nessa situação pode ser mais forte do que o que se obtém ao evitá-la (comer quando se tem muita fome pode compensar o esforço que se faz ao ir a um balcão e pedir alguma coisa em frente a toda a gente). Em crianças, este tipo de situações, juntamente com as interações sociais com pares e as participações e reações nas aulas podem ser momentos chave para diferenciar a timidez da ansiedade social. Se tem dúvidas em relação ao seu filho, não pense duas vezes; não deixe que esta perturbação angustiante e limitativa o acompanhe até à idade adulta. Procure ajuda. A intervenção comportamental tem-se verificado eficaz na modificação de comportamentos relacionados com a ansiedade social, inclusive com adultos. Através da exposição gradual e repetitiva aos mesmos e das mudanças no ambiente, formam-se associações positivas com estas situações em vez de negativas. Dúvidas? Contacte-nos, podemos ajudar.

 

Catarina Carrapiço, Ms, BCBA
Psicóloga Clínica e Analista Comportamental